Assassino da Lua das Flores (2023)
- robsonsbello
- 29 de mai. de 2024
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“Assassinos da Lua das Flores”, de Martin Scorcese, inicia com uma premissa quase utópica (no sentido de u-topos, um lugar invertido): no território indígena Osage, após encontrarem petróleo, a comunidade enriqueceu de forma espetacular. Isso levou aos indivíduos da etnia Osage terem propriedade, carros, dinheiro, e um influxo de homens brancos foi levado para lá para fazer o trabalho comum. O filme destaca: no período, era o povo com maior poderio econômico per-capita do planeta. Um mundo em que uma minoria étnica detém os modos de produção, e os homens brancos são serviçais parece uma ficção fantasiosa.
No entanto, é uma história real, e nessa realidade, o ressentimento dos homens brancos levou a assassinatos e tentativas de controle. Sentindo na própria pele a exploração, acusam os rentistas indígenas de “não trabalhar”. Problemas do capitalismo.
Baseado nos assassinatos de pessoas do povo Osage, entre 1921 e 1925, “Assassinos da Lua das Flores”, é um trabalho primoroso, ainda que não dê conta da dimensão do tamanho da tragédia. As estimativas de mortos estão entre sessenta e mais de cem pessoas, em uma comunidade de cerca de quinhentos indivíduos. Ou seja, por volta de 10% da população Osage foi morta nesse período. Se a palavra que veio na cabeça foi “isso parece um genocídio”, bem, saiba que há de fato acusações formais de genocídio na corte americana.
O filme se foca no caso mais famoso, os assassinatos da família de Mollie Kyle, e seu caráter melodramático explora as tensões de Ernest Burkhart, que ama sua mulher, mas é compelido pelo tio, e pela própria ganância, a matar seus parentes, envenenar sua própria mulher, para adquirir os direitos as terras repletas de petróleo. As relações raciais entre brancos e indígenas são construídas de formas complexas, e por isso mesmo, horrendas: os perpetradores de fato gostam dos indígenas, são amigos, amantes, esposos, mas há sempre um substrato escondido que os considera sub-humanos, inferiores.
Constantemente comparado ao Massacre de Tulsa (1921) durante o próprio filme, este estabelece a semelhança entre o massacre de minorias negras ou indígenas por pessoas brancas.
O massacre e genocídio, dos povos indígenas, perpretado pelo choque cultural e biológico, por colonizadores e pelos próprios governos estadunideses, já é bem conhecido. Entre os séculos XVI e XIX, milhões de indígenas foram mortos, direta ou indiretamente, configurando um dos maiores extermínios já feitos pela humanidade. Posteriormente, as Nações Indígenas foram colocadas em reserva, que ambiguamente, são uma prisão, e um espaço onde são reconhecidas sua autonomia e suas leis.
É a partir disso, que são reconhecidos seus direitos sobre as terras com petróleo. Ainda assim, em 1921 foi passada uma lei no Congresso Americano para “proteger” a população indígena: ela foi considerada “incompetente”, uma criança incapaz de administrar o próprio dinheiro e lidar com a perversidade do homem branco, e portanto, deveria ter um “guardião” que ditasse o uso responsável do dinheiro. E mesmo essa “proteção” foi insuficiente para impedir os casamentos, manipulações e assassinatos que tentaram lhes roubar o dinheiro e as terras. Em 1926, após a onda de assassinatos, o Congresso teve que passar outra lei, garantindo que as posses Osage só podiam ser herdadas por pessoas Osage.
Apesar de território indígena, a lei local era administrada por pessoas brancas, que pouco ou nada fizeram para impedir os assassinatos. De fato, muitas vezes os favoreceram. Foi necessário a intervenção do governo federal, após ser devidamente pago, que o Bureau of Investigation (BOI), antecessor do FBI, passasse a investigar o massacre e desbarateasse o complô. Ainda assim, os principais responsáveis, que foram condenados a prisão perpétua, saíram por bom comportamento, muito antes.
Martin Scorcese toma a última cena do filme justamente para nos contar os desenvolvimentos dos personagens nos anos posteriormente. Brincando com a noção de cultura popular através do rádio, associa os massacres a rentável demanda e produção das “true crimes”, mercadorias que lucram em torno da fetichização dos assassinos, e sua desumanização das vítimas.
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