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Dream Scenario - O Homem dos sonhos (2024)

  • Foto do escritor: robsonsbello
    robsonsbello
  • 10 de jun. de 2024
  • 4 min de leitura

“O Homem dos sonhos” é uma grande alegoria político-cultural sobre a viralização de uma pessoa ou de um conteúdo em tempos de internet. É muito comum, seja em qualquer rede social, Instagram, Twitter, Tik Tok, Facebook, o conteúdo de uma pessoa aleatória comece a ser veiculado em sua tela. Os motivos para essa viralização são muitas vezes aleatórios, é um vídeo fofinho, engraçado, surreal, e as vezes, é só uma pessoa comum fazendo algo comum que chama atenção por algum motivo. Paul Matthews (Nicolas Cage) começa a aleatoriamente aparecer no sonho de algumas pessoas, e começa a ficar famoso por isso.


Não é gratuito que o personagem é um professor de biologia especializado em evolução natural: insistentemente ele coloca que as zebras possuem listras não para se camuflarem na natureza, mas sim para cada zebra individualmente se perder na multidão de outras zebras e escapar de um predador. Paul perde a capacidade de se perder na multidão, e vira alvo de fama, as vezes positiva, as vezes negativa.

Um conceito interessante para pensar a relação dos indivíduos com a sociedade é o de “biopsicossocial”. Isso significa que todos os indivíduos em suas relações passam por questões biológicas, como a necessidade de comer, dormir, fazer atos sexuais; questões psicológicas, que são os conflitos internos entre os desejos, a moralidade internalizada e a formação do Eu próprio; e finalmente, tudo aquilo que é socialmente construído: costumes, comportamentos, ideologias, percepções, lugar no mundo, etc.

Com certa sofisticação filosófica e teórica, o filme brinca com conceitos de biologia, psicologia, e sociologia. Paul não quer acreditar em uma explicação “metafísica” para o fenômeno, e sim entender como tudo é construção social. Metafísica aqui seria uma explicação mágica, divina, supernatural.


Ao final do filme, uma racionalização é dada: a ideia de “incosciente coletivo” do psicanalista Carl Jung teria sido provada pelo acontecimento. Essa teoria advoga que todos os seres humanos nascem com um inconsciente compartilhado, e por isso arquétipos de o que é um “homem”, uma “mulher”, um “soldado”, um “herói”, são reconhecidos.


A teoria do “incosciente coletivo” é altamente debatida e duramente criticada em muitos circulos acadêmicos de historiadores, sociologos e antropólogos, além de outros ramos da psicologia. Não há nenhuma evidência científica de um “inconsciente coletivo” compartilhado exista, e pelo contrário, as evidências apontam que as ideias e arquétipos foram difundidas sociohistoricamente através de milênios. Ou seja, nenhum indivíduo nasce com ideias prontas, e sim as recebe por diferentes vias sociais, sobretudo histórias.


Ou seja, em um certo sentido, o protagonista foge de uma explicação sobrenatural, metafísica, mas o é o que nos faz crer os publicitários da “máquina de invadir sonhos” proposta ao final do longa. Eles nos oferecem a explicação de que uma vez confirmado o “incosciente coletivo”, é possível fazer uma máquina que a publicidade seja imposta nos sonhos das pessoas. Essa alegoria também coloca que: utilizando o mecanismo da viralização, o conteúdo pago, publicitário, encontra lugar insistente em nossas páginas de rede social, nós querendo ou não.


Frustrado com sua falta de notoriedade e reconhecimento como pesquisador, o protagonista busca tentar rentabilizar sua fama-viral para alavancar seu próprio trabalho. Ele não está interessado em rentabilizar a fama pela fama, ganhar dinheiro pela sua imagem, mas sim, quer a utilizar como plataforma para publicar seu livro sobre biologia. Nesse sentido, ele se recusa a ser um “vendido” ao entretenimento. Mas ingenuamente acredita que tem controle sobre a fama viral. As pessoas não estão interessadas no que ele tem a dizer, e sim no estranho fenômeno.


Acontece que a viralização tem seus dois lados da moeda: se em um momento ele é visto como uma curiosidade, o conteúdo, no momento seguinte, passa a ser visto como danoso e traumático. Paul passa a ser “cancelado”, e isso afeta todas suas relações sociais. Se em um momento, por exemplo, sua esposa se aproveita da sua fama para subir na própria carreira, quando ele passa a ser visto negativamente, ela tem uma queda. Suas filhas sofrem bullying. Sua tentativa de se salvar publicamente é patética, por que ele não se curva as massas, e tenta se defender.


O que lhe resta, como propõe seus agentes, é se aliar à atores de extrema-direita em sua cruzada contra o “cancelamento”, a “favor” da liberdade de expressão, e de teorias conspiratórias. Isso é um alerta para nosso comportamento cultural: ao abandonar indivíduos que se destacam negativamente na Internet, passamos a jogá-los no campo da extrema-direita, predadores que se alimentam deste tipo de “pária” para fomentar sua agenda reacionária. Afinal, nessa lógica, se um ser razoável, sem culpa, tem sua vida destruída pela massa, isso também seria válido para os extremistas que falando e fazendo coisas horríveis são igualmente “cancelados” por “falarem a verdade”.

 Paul mantém a dignidade e se recusa, principalmente por que não quer ser incluído nas “guerras culturais”.


Ao final do filme, passados muitos meses, a viralização abaixa, e com a vida destruída, sobra a Paul lançar um livro, não sobre biologia como ele gostaria, mas sobre sua curta fama. Na última cena, ele adentra o sonho da mulher e vive uma fantasia, como em outros tempos eles gostariam de ter vivido.

 
 
 

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