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Oppenheimer (2023)

  • Foto do escritor: robsonsbello
    robsonsbello
  • 21 de mai. de 2024
  • 3 min de leitura

“Os Estados Unidos fazem a bomba atômica, matam milhares de pessoas,  depois fazem um filme sobre isso, e ganham o Oscar”. Essa é uma frase que talvez seja familiar aos leitores, ou que ao menos, impressiona ao ser lida pela primeira vez. Mas ela contém verdades e não-verdades.


Hollywood, e os estadunidenses/americanos tendem a cultuar a própria História, e heroificar ou humanizar seus personagens. Oppenheimer faz isso: é uma biopic tecnicamente brilhante do ponto de vista de direção, montagem, roteiro, atuação, uso do som, dos figurinos, da maquiagem, etc. Seu objetivo é tornar o “pai da bomba atômica” um personagem complexo, repleto de dúvidas e traumas, e que perde sua autoridade política ao final, apesar de sua lealdade ao governo e a nação dos EUA. É um herói trágico. Um judeu que só inventou a bomba atômica para fazer frente aos nazistas. Um físico que queria ver sua teoria testada e realizada. Alguém que via a invenção da bomba atômica como o mecanismo que permitiria o “fim de todas as guerras”. Queria compartilhar a tecnologia com os aliados. E inclusive foi contra a invenção da bomba de Hidrogênio, muito mais poderosa, por que ela favoreceria uma corrida armamentícia.


Apesar de ter sido muito famoso e controverso na época, a memória histórica não manteve J. Robert Oppenheimer numa lembrança muito positiva. Afinal, ele construiu uma arma de destruição em massa que definiu a política externa dos países nos últimos oitenta anos, traumatizou os japoneses, e todo o mundo, que temia o fim da existência em uma guerra nuclear. “Oppenheimer”, o filme, atualiza a memória estadunidense nacional sobre o personagem, e veicula sua imagem heróica para o mundo, como um Prometheus que deu o fogo para os humanos – literalmente uma comparação dentro do filme. Na mitologia grega, Prometheus dá o fogo para os humanos e isso os liberta para o desenvolvimento. Mas seu castigo por Zeus é severo. Teria Robert Oppenheimer libertado os humanos com a bomba atômica e sido punido por isso?


É interessante ver algumas notícias da recepção japonesa a estreia do filme: muitos dos espectadores foram incomodados, e muitas das críticas residiram no fato de que o horror nuclear de mais de 200.000 mortos não foi devidamente mostrado. Reduzido a números, a humanidade dos japoneses, apagada. De fato, isso é evidente. Ao mesmo tempo, a proposta do filme não é ser um balanço crítico da bomba atômica, mas sim evidenciar os conflitos de um personagem específico.


Então nesse sentido, sim, os EUA fizeram a bomba atômica, e oitenta anos depois enalteceram a figura de seu criador.


Por outro lado, justamente pelo foco no personagem, e não no horror atômico, o filme é capaz de mostrar uma outra faceta: a complexidade da vida política nos EUA, e como ele não pode ser pensado como uma única entidade coesa. Nesse sentido, o filme produz um outro sentido, e revela um cenário de contradições internas.


J. Robert Oppenheimer não era um representante do governo americano em si, uma força de Estado, pelo contrário, teve ligações com o Partido Comunista, direta e indiretamente. Isso foi seu calcanhar de Aquiles, dado o crescente sentimento anti-comunista a partir da guerra, e sobretudo pós-guerra. Seu descontentamento com os tipos de uso da bomba atômica diferiam do establishment militar hegemônico, muito mais a direita. Também “Oppenheimer” demonstra uma vigorosa luta política comunista nos anos 1930 e 1940, onde também a comunidade científica se alinhava com o socialismo, com direitos dos trabalhadores, etc. Haviam cientistas e militares mais a esquerda, ou mais a direita.


Na verdade, existiam até mesmo um considerável número de nazistas no país, uma memória histórica constantemente suprimida das representações hollywoodianas.


Assim como o filme exporta uma certa memória heroificada para o mundo, ele constitui um confronto de memórias internamente nos EUA, uma espécie de defesa em que diz “até mesmo o pai da bomba atômica é contra o que fizemos com ela”.


Interessante também é a recuperação do debate sobre a ética e a moralidade científica: não é um brutamontes radical de extrema direita quem cria a bomba atômica, e sim um intelectual de esquerda, progressista, liberal, educado. Apesar de suas boas intenções serem “impedir os nazistas”, o filme nos relembra como os cientistas não necessariamente têm controle de suas criações. Apesar de possível, o quão ético é a criação de uma arma de destruição de massa, mesmo que ela impeça a continuidade do conflito? Alguns cientistas se recusaram a participar do projeto Manhattan, ou mesmo saíram, quando perceberam que o alvo não seria mais os nazistas, e sim os japoneses. Por sua vez, a direita americana incentivou a criação da Bomba de Hidrogênio e a supremacia militar nacional.


As armas nucleares não fizeram as guerras acabarem, e seu legado é de destruição e medo. “Oppenheimer” ao focar-se no conflito interno de seu protagonista, destaca individualmente o horror, e perde assim de vista, as consequências sociais desse horror.

 
 
 

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