Perfect Days (2023)
- robsonsbello
- 21 de mai. de 2024
- 3 min de leitura
Perfect Days é um filme contemplativo, que coloca o espectador na observação da rotina de um limpador de banheiros públicos de Tóquio. Repetidamente no filme vemos Hideyaki, o personagem principal, acordar de madrugada em seu pequeno apartamento, arrumar o futton, regando as plantas, pegar seus objetos para sair de casa, olhar o céu e sorrir, acionar a máquina de venda de latinhas, pegar seu carro e dirigir para o trabalho, onde ele diligentemente limpa cada pequena sujeira dos banheiros. No seu tempo livre, ele almoça, toma banho, e passeia no parque para fotografar sempre uma árvore específica.
Essa estrutura de repetição se alonga por todo o filme, com pequenos intervalos de eventos que atravessam o personagem: seu colega de trabalho que quer ajuda com sua namorada, a sobrinha que foge de casa e pede abrigo por uns dias, o papel escondido de um jogo que ele joga com um desconhecido.
Em inglês, há um termo para esse tipo de filme: “slice of life”, um pequeno recorte de uma vida comum, cotidiana. Perfect Days é também uma fantasia idílica urbana. No século XIX e no começo do XX, eram muito comuns as histórias em que o protagonista fugia da vida agitada da metrópole e se voltava ao paraíso rural, onde ele tinha uma vida mais simples, frugal, com mais sentido. No caso de Perfect Days, há uma inversão desse tipo de história, e o trabalho simples, a vida frugal, e todo o sentido são vividos em meio a uma metrópole.
A fantasia idílica urbana defende a possibilidade de uma vida digna para um pobre limpador de banheiros, desde que ele seja diligente no que ele faz. Sua condição de vida é boa, a pobreza não lhe é um problema, e sim uma opção de vida simples. Nesse sentido, o filme foge de fazer qualquer crítica social a vida moderna capitalista, e a pobreza não é vista como um produto de injustiças e problemas, mas sim como um desejo de busca da simplicidade.
Quem tem problemas é quem tem desejos, como o jovem colega de Hideyaki, que não tem dinheiro para sair com sua namorada. Ou a sobrinha, filha de sua irmã rica. O desejo e as posses trazem problemas, e a falta deles, traz uma espécie de iluminação: apesar de solitário, Hideyaki tem uma vida completa, se diverte, lê muito, se realiza no trabalho. É o sonho budista moderno de uma vida asceta, lido por um diretor ocidental, claro.
A lição dada do filme é viver no presente. Sem se importar com traumas do passado, e sem ansiedade com as inseguranças do futuro, Hideyaki vive um dia de cada vez e se realiza em seu trabalho. O competente trabalho do ator faz com que, mesmo o personagem tendo poucas falas, consegue transmitir toda a complexidade dos seus inúmeros sentimentos, como isolamento, tristeza ou felicidade só através das suas expressões.
É claro que, viver cada instante é uma utopia muito bonita, mas nem Hideyaki consegue o fazer completamente. Após se despedir de sua sobrinha e encontrar com sua irmã, ele chora copiosamente. O passado do por que do afastamento da família nunca é nos revelado, mas nessa cena ficamos sabendo que ele ainda sente os traumas dessa separação quando ele ressurge no presente. E a definição de trauma é literalmente a presença incomoda do passado no presente.
Nas cenas finais do filme, vemos Hideyaki dialogando com um homem que está na fase do câncer terminal, e por curiosidade, se indaga se as sombras, quando sobrepostas, se escurecem, ou se mantém na mesma intensidade. Após uma brincadeira, mantém-se a dúvida: nossas sombras, ou seja, nossos traumas, medos, inseguranças, se sobrepõem, se acumulam? A cena final nos deixa com um close de Hideyaki vivenciando inúmeras sensações conflitantes ao mesmo tempo com toda a beleza e tristeza que ele vivencia, e chora e sorri ao mesmo tempo.
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