Zona de Interesse (2023)
- robsonsbello
- 21 de mai. de 2024
- 3 min de leitura
Ganhador do prêmio de “Melhor som” no Oscar 2024, Zona de Interesse é, nesse sentido, uma obra primorosa. Desde a apresentação de seu título na tela, somos bombardeados com um som excruciante, muitas vezes dissonante, que representa o horror que nunca vemos diretamente.
O filme conta a história do Holocausto do ponto de vista da família do comandante do campo de extermínio de Auschwitz, Rudolf Höss, em uma idílica casa, protegida dos horrores do que acontece no campo, por uma grande muralha. Mas essa proteção é somente parcial: não é possível ver, mas é possível escutar o que lá estava acontecendo. Ao longo do filme, somos expostos a gritos de horror dos assassinatos nas câmaras de gás.
Zona de Interesse pode ser contextualizado em um debate social e intelectual mais amplo sobre a possibilidade e a ética de representação do horror do Holocausto.
De um lado, há pessoas que argumentam que mostrar os horrores do que aconteceu tem uma potente função didática, e mobiliza os espectadores a se comoverem com o acontecido, e através da condução da empatia, se solidarizarem com as vítimas, e se esforçarem para que aquilo nunca mais se repita. Um bom exemplo disso é “A Lista de Schindler”, no qual somos mergulhados nos acontecimentos horríveis.
Do outro lado, há quem argumente que representar os horrores é antiético, e talvez até mesmo impossível. Somente quem esteve nesses momentos terríveis é que pôde de fato experienciar aquela situação tenebrosa. Portanto, tentar descrever visualmente a experiência seria desrespeitoso com a memória das vítimas. Em “Filho de Saul”, a câmera acompanha a experiência de um “capataz” sempre focando em seu rosto, e o espectador pode ver os acontecimentos somente nas margens da tela. No documentário “Shoah”, ouvimos as descrições dos eventos barbáricos, mas nunca os vemos em si.
Zona de Interesse segue por esse segundo caminho, nunca vemos o horror, mas constantemente o ouvimos. Ele demonstra que mesmo sem espetacularizar o sofrimento, é possível demonstrá-lo. Ao mesmo tempo, o filme só funciona por que antes tivemos acesso ao que era esse sofrimento, e agora já sabemos o que acontece, mesmo sem ver.
Ao nos focarmos na família de Rudolf Höss e sua idílica casa, o filme também trabalha com o conceito de “banalidade do mal” proposto por Hannah Arendt. Ela argumenta que não são monstros que causaram o genocídio, mas sim pessoas comuns, pais de família, que ignoravam o que acontecia ao redor deles, ou somente “cumpriam ordens”. Sua teoria vem da análise do relato de Adolf Eichmann em seu julgamento nos anos 1960, que argumentava que ele não tinha nada pessoalmente contra judeus, tinha até amigos que eram, mas era um bom cidadão, e cumpria a lei e as ordens dadas.
O problema do filme é que sua interessante premissa entra em contradição com seu desenvolvimento. Rudolf Höss é representado como um psicopata, não um homem comum. Ele tenta constantemente mentir e manipular as impressões que seus superiores tem por ele. Outros Nazistas são apresentados como mais “razoáveis”, e querem colocar os judeus para trabalharem, enquanto seu foco obsessivo é os exterminar em massa. E no final do longa, ele até mesmo relata à mulher como, em uma reunião do Partido, só conseguia pensar em como matar todos eles.
O mesmo pode ser dito de sua mulher, principalmente em contracena com sua mãe. Enquanto ambas acreditam que o que tem sido com os judeus é uma forma de justiça, a mãe da esposa fica apavorada ao ouvir os sons e ver a fumaça dos corpos sendo incinerados. Ela possui ainda alguma humanidade. Em oposição, a esposa-psicopata insiste e chega a brigar com o marido como a sua casa, ao lado de um campo de extermínio, é o paraíso que ela sempre desejou.
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